domingo, 16 de maio de 2010
Quilombo das Brotas em Itatiba
Matéria publica no Correio Popular, edição de domingo, 16 de maio de 2010, sobre a comunidade quilombola na vizinha cidade de Itatiba
Quilombolas vivem na precariedade
Sem infraestrutura básica, população descendente de ex-escravos reivindica melhorias, enquanto luta para manter vivas as tradições
Inaê Miranda
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
inae.miranda@rac.com.br
Apesar da proximidade e do contato com os recursos oferecidos pelo município, o Quilombo Brotas, situado no bairro Santa Filomena, em Itatiba, sofre com a falta de infra-estrutura e com a degradação. Os quilombolas lutam para manter viva a história do lugar e implantar melhorias no local, primeiro e único a ser reconhecido oficialmente como quilombo urbano do Estado de São Paulo.
Na entrada principal, um portão largo com a figura de um negro anuncia a presença da comunidade de 34 famílias. As casas, construídas com blocos e telhas de amianto, estão espalhadas numa área de 12,48 hectares e lembram a arquitetura simples de uma periferia. Segundo a moradora Jaciene Vilela Barbosa, em 90% das casas, os moradores ainda utilizam água de poços artesianos.
“Apesar da união e da tranquilidade do lugar, ainda falta muita coisa na comunidade. A gente não tem rede de esgoto, não tem iluminação nas ruas. O lixo só é recolhido se estiver fora do quilombo. Tem morador que precisa andar 15 minutos para colocar o lixo do lado de fora. Melhoraria muito a qualidade de vida dos quilombolas se fossem feitas essas melhorias”, disse Jaciene.
As reclamações dos quilombolas são antigas. Em busca desses benefícios, eles fundaram uma associação, em 2003. Uma reportagem publicada pelo Correio, cinco anos depois da fundação, mostrava algumas conquistas dos moradores, por meio de parcerias com organizações não governamentais (ONGs) e com a Universidade São Francisco (USF), como a regularização de documentação da área, a instalação de salas para alfabetização e de informática. Atualmente, apenas um dos nove computadores funciona. As aulas de reforço escolar ainda não começaram este ano. As salas de alfabetização ficam na maior parte do tempo fechadas.
A realidade dos vizinhos do Quilombo Brotas é bem diferente. Eles contam com toda a infraestrutura oferecida pelo município. Um relatório elaborado pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo, em 2004, apontava para as diferenças entre os quilombolas e a vizinhança. “Esse modelo de desenvolvimento urbano acaba gerando uma territorialidade seletiva, onde um grupo social tem acesso a uma série de bens e serviços enquanto que para os vizinhos negros e pobres nada está disponível reforçando, assim, a segregação social”, destacava.
Estudos e projetos para a área não faltam. De acordo com a Prefeitura de Itatiba, já foi solicitado à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) um estudo para a implantação da rede de água e esgoto. E, em parceria com o curso de Arquitetura e Urbanismo da USF, está sendo feito um trabalho de orientação dos moradores quanto à execução de melhorias no espaço em que vivem, sem a descaracterização do local. Por meio desse estudo, foi constatado que, para manter a originalidade cultural, novas residências não devem ser construídas.
Desde abril de 2007, há uma parceria entre a USF e a Associação Cultural do Quilombo Brotas para assessoramento técnico aos quilombolas. Um plano diretor elaborado pela faculdade aponta para o desenvolvimento local sustentável. Uma espécie de mapa de ocupação do local está sendo feito pelos estudantes da universidade. Ele deve apontar as áreas que podem ser construídas sem descaracterizar o local. Atualmente, o projeto encontra-se em fase de finalização.
Patrimônio se perde com o tempo
O Quilombo Brotas ocupa o território há mais de 130 anos.
As terras foram compradas por Emília Gomes de Lima e Isaac de Lima, escravos de uma fazenda da região, bisavós da moradora mais antiga, Ana Teresa Barbosa, de 72 anos. Após a morte do fazendeiro, o casal foi alforriado e passou a morar no Sítio Brotas, propriedade de um casal que ajudava escravos libertos e fugidos. Entre 1878 e 1885, eles conseguiram juntar dinheiro, que guardavam em um baú existente até hoje, para comprar o sítio.
As portas fechadas de uma casa no local mais alto do quilombo guardam parte dos objetos que pertenceram à Emília e à sua neta, a mãe-de-santo Emília Barbosa Gomes, conhecida como Tia Lula, falecida em 2006. Depois de sua morte, corroídos pelo tempo, os pertences e a residência de Tia Lula estão se perdendo. Para preservar a história do local, a associação de moradores planeja transformar a casa de Tia Lula em um museu.
O projeto é antigo, mas até o momento quase nada foi feito. Alguns objetos chegaram a ser retirados provisoriamente da casa de Tia Lula e levados para a Exposição 29 de Abril, no museu de Itatiba. Na data, a cidade comemora a libertação dos escravos. Isso porque, nesse dia, pouco antes de 13 de maio de 1888, foi verificado que não havia mais escravos no município. (IM/AAN)
SAIBA MAIS
De acordo com a Fundação Cultural Palmares, estão identificadas oficialmente mil comunidades remanescentes dos quilombos. As maiores concentrações dessas comunidades estão nos estados da Bahia e Maranhão. Em São Paulo, segundo a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), são 26 comunidades reconhecidas como remanescentes. Duas delas ficam em Itatiba e Capivari, na região de Campinas.
Implantação de ponto de cultura renova expectativas
A implantação de um ponto de cultura — iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e do Ministério da Cultura — na área do Quilombo Brotas enche os moradores da comunidade quilombola de esperança. O projeto Nas Trilhas do Quilombo Brotas prevê a geração de trabalho e renda para os moradores da comunidade, com a instalação de uma cozinha e lanchonete, a difusão da cultura negra e a inclusão digital, por meio de cursos e oficinas.
O valor de R$ 180 mil deverá ser repassado pelos governos em três anos. O repasse previsto para este ano era de R$ 60 mil e já foi feito. Segundo Manoel Barbosa, presidente da associação de moradores do Quilombo Brotas, a primeira parte da obra deverá ficar pronta até a última semana deste mês. De acordo com ele, o ponto de cultura dará maior visibilidade ao quilombo. “Nós teremos mais respaldo porque vamos conseguir trazer a comunidade para conhecer a comunidade”, disse.
José Roberto Barbosa, um dos membros da associação e futuro coordenador do ponto de cultura, acredita que o projeto será uma oportunidade de os quilombolas se autoconhecerem. “Vamos receber visitantes e a comunidade vai precisar se inteirar do passado. Eles terão curso de oratória, de história e de informática. É uma oportunidade para difundir a cultura quilombola”, disse.
O público alvo do ponto de cultura, criado em novembro passado, são os moradores do quilombo, adolescentes e jovens, população de baixa renda, crianças, estudantes da rede pública de ensino e interessados na preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental. (IM/AAN)
Moradores constroem futuro e tentam resgatar memória
Rádio, investimento na educação e réplica de casa de taipa são exemplos
Enquanto aguardam as ações dos órgãos públicos, a comunidade corre atrás de benefícios. É o caso de Luana Fernando Gomes, de 16 anos, que, com a ajuda de uma amiga, fundou a rádio comunitária do quilombo há cerca de um ano. “De vez em quando, a gente coloca pagode e música sertaneja para tocar. Quando os mais velhos reclamam, a gente troca para não desagradar”, disse Luana. Além de tocar músicas, a rádio é utilizada pela associação e pelos moradores para anunciar eventos e notícias do quilombo ou da cidade.
Para resgatar um pouco da história que foi se perdendo ao longo do tempo, Fabiano Barbosa construiu uma casa de taipa, erguida com bambus e preenchida com barro, réplica de onde viveu sua avó Amélia, filha dos escravos Emília e Isaac, que adquiriram o quilombo no século 19.
Quem já está na idade, freqüenta as escolas de Ensino Fundamental e Médio da cidade. Rita Talita Francisca dos Santos, de 21 anos, faz curso preparatório para o vestibular. Ela deseja cursar medicina veterinária. “Moro no quilombo desde criança e, por causa da proximidade da mata, alguns bichos se aproximam. Isso despertou o meu interesse pela área”, disse.
Luana faz o 1 ano do Ensino Médio e já pensa em cursos profissionalizantes. “Vou fazer um curso de telemarketing e técnico de farmácia. Depois, pretendo cursar a faculdade de farmácia mesmo”, disse. (IM/AAN)
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